Ao escrever estas linhas num ambiente especialmente agitado e controverso que a Igreja Católica atravessa, particularmente no meu país, torna-se obrigatório reflectir sobre o que se esta a passar e tentar encontrar soluções e respostas que se tornam cada vez mais urgentes.
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E se fizermos um exercício para tentar compreender os fenómenos nos vários países, sobretudo da Europa Central e Meridional, cada um deles com distintas particularidades, todos eles apresentam varias complexidades em comum.
Aqui fica uma abordagem a esta questão ao mesmo tempo que deixo algumas pistas que, no meu modesto entendimento, poderão servir de reflexão.
O Mundo em que vivemos
Na actual sociedade em que vivemos, continuamos a assistir a uma cada vez mais forte degradação dos princípios morais e éticos, à contestação dos costumes e à corrupção generalizada, protegida pela falta de intervenção e pela irresponsabilidade dos governantes, que merece uma resposta firme da parte dos católicos.
A liderança, ou a falta dela, proporciona o aparecimento de novos problemas sem ninguém à altura de os combater. A falta de preparação dos lideres actuais, a degradação moral das sociedades e o surgimento de novas culturas é uma realidade nos dias de hoje.
De acordo com Enrique Bonete (catedrático de Filosofia Moral da Universidade de Salamanca) “Estaremos a viver, em termos políticos e culturais, numa espécie de ditadura do relativismo, a que o Papa Bento XVI se referiu, e que marca os passos de uma nova era que se distancia tanto da modernidade como da cultura cristã: ambas eram dominadas por princípios éticos universais, valores morais capazes de unificar os cidadãos e de lhes conferir uma identidade europeia e comunitária cristã, cujo núcleo consistia na defesa da dignidade de cada pessoa.
E prossegue “É evidente que na Europa estamos muito longe do que João Paulo II proclamou como um desejo com pleno significado histórico: reavivar as raízes cristãs do Ocidente, que há séculos oferecem, e podem continuar a oferecer, uma identidade cultural e moral para o continente que tem sido a chave para o desenvolvimento de toda a humanidade. Hoje, parece que os líderes políticos europeus têm estado determinados a afastar-se cada vez mais daquilo que o cristianismo tem significado durante séculos como um fenómeno cultural, moral, político e religioso. Na verdade, diria mesmo que o que se sente em muitos países europeus é algo como uma certa cristofobia, uma rejeição visceral de tudo o que é cristão. Em muitos casos, isto deve-se a uma lamentável ignorância do que, por exemplo, a ética derivada do Evangelho contribuiu para a proteção e defesa dos membros mais vulneráveis da sociedade”.
E diz ainda “Tenho a impressão de que estamos a assistir a uma espécie de apostasia do cristianismo na Europa. Aqueles que a promovem não se apercebem das graves consequências políticas, morais e culturais que isto já está a causar e se tornará mais evidente no futuro. Uma União Europeia está a ser construída apenas com laços económicos e comerciais, sem os fortes laços culturais de identidade que a cultura moral cristã tem proporcionado durante séculos. Sem tais laços, como afirmaram os pais fundadores da União, De Gasperi, Adenauer e Schuman – hoje demasiadas vezes esquecidos -, será difícil para a Europa permanecer unida. Receio, e isto é uma pena, que aqueles que governam as instituições europeias de hoje não tenham qualquer apreço pelas raízes cristãs das democracias ocidentais, o que era óbvio para os pais fundadores”. A verdadeira democracia é aquela em que a dignidade das pessoas, os direitos humanos, e especialmente o direito à vida dos mais frágeis e vulneráveis, são garantidos.
Os grandes líderes europeus não deixaram descendência. Podemos, por isso, apontar como um dos principais obstáculos a ausência de líderes como aqueles que a Europa teve num passado recente
Os católicos devem fazer politica…!
No livro entrevista dos 10 anos de pontificado da Academia de líderes católicos o Papa referiu-se assim: “sim faço política porque todos devem fazer política” admite o Pontífice e logo acrescenta “…e o que é política? uma forma de vida para a polis, para a cidade. O que eu não faço e a Igreja não deve fazer é a política partidária”. Mas o Evangelho tem uma dimensão política que consiste em transformar a mentalidade social, inclusive a religiosa das pessoas. Procura, diz o Papa, orientar a mentalidade em busca do Bem Comum.
A Doutrina Social da Igreja, pilar fundamental da Europa (e que a Europa política repeliu na sua Constituição num primeiro presságio que aí viria), é clara: a economia existe para servir o homem e não homem para servir a economia.
O serviço público, antes considerado como uma nobre missão dos cidadãos perante a sociedade perdeu todo o seu sentido e só em raros casos encontramos governantes norteados por este princípio.
O certo é que a Europa deste século esqueceu a sua primeira matriz. A política abandonou a ideologia. O debate virou marketing, frases feitas, forma sem conteúdo. Este vazio foi ocupado pela actual geração de políticos gerados “in vitro” nos laboratórios das internacionais partidárias, sustentados em teorias económicas que ignoram o conceito básico do bem comum. A noção do bem comum, a ideia da dignidade da pessoa humana, a ideia de justiça social, a ideia de igualdade de oportunidades, são quatro marcas que embora sejam a base da ideologia cristã que a distinguem e a caracterizam, devem ser pilares fundamentais de uma sociedade a que os lideres católicos de todas as ideologias devem ter sempre presente.
A Europa precisa de líderes!
A radicalização das populações politicamente dirigidas pelas redes sociais irreguladas, a massificação da intolerância e da violência são sinais claros de sub-representação política. São os novos tempos de grande aceleração social, a par de uma verdadeira revolução digital que coloca este Mundo à deriva..
O Papa Francisco afirmou, em 2016, que a “Europa precisa de líderes” para continuar a defender o lema “nunca mais a guerra” dos fundadores da União Europeia, em entrevista publicada no semanário católico belga Tertio. “Esse ‘nunca mais a guerra’ penso que é algo que a Europa de Schumann, De Gasperi, e Adenauer o disseram sinceramente. Mas depois… Hoje em dia faltam líderes. A Europa precisa de líderes, líderes que avancem“, afirmou, de acordo com a transcrição literal da entrevista divulgada pelo Vaticano. Francisco afirmou ainda que “esse ‘nunca mais a guerra’ não foi levado a sério”. “Depois da Segunda Guerra Mundial, temos esta terceira que vivemos agora aos bocados. Estamos em guerra. O mundo está a fazer a terceira guerra mundial: Ucrânia, Médio Oriente, África, Iémen…”.
Em Outubro de 2017 centenas de líderes políticos e religiosos reuniram-se no Vaticano, numa conferência internacional para repensar a Europa e dar uma contribuição cristã para o futuro do Projeto Europeu, organizada pela Santa Sé e pela Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia (COMECE). Nesta conferencia participaram 28 delegações de todos os países da UE: políticos, cardeais, bispos, sacerdotes, embaixadores, académicos, representantes de diversas organizações e movimentos católicos e de outras denominações cristãs.
Entre os presentes estava o presidente do Parlamento Europeu, António Tajani, o vice-presidente da comissão europeia, Frans Timmermans e o secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Pietro Parolin. Segundo os organizadores, o papa deveria reiterar o seu compromisso para uma reflexão comum sobre o futuro da União Europeia e recordar o apoio da igreja ao projeto de paz. Esta Conferência visava também assinalar o 60.º aniversário da assinatura do Tratado de Roma.
Os líderes católicos europeus de hoje enfrentam um mundo onde o secularismo por um lado, e as fés concorrentes por outro, constituem desafios sem precedentes.
Com efeito, uma visão secular e naturalista do mundo permeia grande parte da Europa tornando o catolicismo irrelevante para muitos. Como consequência, em alguns países europeus, catedrais e igrejas foram transformadas em museus ou espaços para concertos e peças de teatro.
A Comunidade Cristã na Europa
De acordo com uma nota da Pastoral da Cultura de Portugal, uma sondagem, conduzida em 2017, em 15 países da Europa ocidental, mostra que que 91% da população é composta por batizados, 81% por pessoas que cresceram como cristãs, 71% de pessoas que se dizem cristãs e 22% que participa em celebrações religiosas pelo menos uma vez por mês.
No que se refere à relação com a política, em termos gerais os europeus ocidentais não são propensos às ligações entre os seus governos e as religiões. Em todos os 15 países incluídos na sondagem, prevalece a ideia de que a religião deve estar separada das políticas governamentais (média de 60%), enquanto o conceito de que as políticas de governo devem apoiar a fé e os valores religiosos fica pelos 36%. A investigação mostra que a paisagem religiosa na Europa ocidental está em mudança. Embora a maioria dos inquiridos se descreva como cristã. a percentagem de cristãos parece ter diminuído, especialmente em alguns países.
E as perdas líquidas para o cristianismo foram acompanhadas por um crescimento líquido no número de pessoas religiosamente não filiadas. Em todos os países pesquisados, a maioria dos que se afastaram depois de terem crescido num grupo religioso dizem que se afastaram da religião «gradualmente», sugerindo que nenhum acontecimento específico ou uma única razão específica causou essa mudança. Muitos dizem que discordaram das posições da Igreja em questões sociais como homossexualidade e aborto, ou que deixaram de acreditar em ensinamentos religiosos. Maiorias em vários países, como Espanha (74%) e Itália (60%), também citam “escândalos envolvendo instituições religiosas e os seus líderes” como razão importante para se deixarem de se identificar como cristãos (ou com outro grupo religioso), assinala o estudo.
A Igreja enfrenta também uma gravíssima crise de autoridade. A denúncia de abusos sexuais generalizados e repetidos ao longo de décadas, a maior parte envolvendo pedofilia, minou seriamente a autoridade moral da Igreja no Ocidente, sobretudo nos Estados-Unidos, mas também na Europa. Esta ferida foi ampliada pelo encobrimento sistemático destes abusos e pelo envolvimento de um número alarmante de líderes eclesiásticos. Estes escândalos têm afetado profundamente o prestígio e a credibilidade da Igreja e colocado dificuldades muito significativas aos líderes políticos católicos.
Acresce que no ambiente europeu prevalecente os meios de comunicação social e as comunidades académicas tendem a marginalizar a Igreja e os católicos. Os Governos aproveitam para impor aos responsáveis religiosos dos seus países linhas de conduta que não os critiquem ou influenciem o debate político.
O desafio dos líderes!
As políticas económicas e sociais da maioria dos Governos europeus ou insistem em repetir os erros e fracassos de experiências de sabor socializante ou, por contraponto e em nome do liberalismo económico novamente na moda, afastam-se da economia social de mercado e da doutrina social da Igreja. A secularização avassaladora do ensino público relegou as preocupações e interesses dos católicos para segundo plano, quando os tolera porque, na maior parte dos curricula, os ridiculariza agressivamente.
A maioria dos Governos nacionais, os Parlamentos e as instituições europeias evitam cuidadosamente ir ao encontro das preocupações dos católicos e, ao invés, promovem agendas políticas fraturantes. Neste contexto não é exagero considerar que a liberdade de expressão dos católicos europeus está essencialmente condicionada. A prová-lo basta referir que os movimentos pró-vida são ostracizados pela comunicação social em favor dos defensores da eutanásia, do aborto, da adoção por homossexuais, do encorajamento da transição sexual, etc.
A família parece ser o principal alvo dos movimentos ideológicos seculares e o abandono de muitos pais e mães das suas funções de educadores deixou já gerações de filhos sem pais. Mas, talvez o mais grave, seja que a maioria dos líderes católicos tenha progressivamente escolhido o caminho de contemporizar com essas ideologias e movimentos, essencialmente por calculismo político, procurando preservar as suas bases de apoio fazendo cedências no plano dos princípios.
No entanto, e paradoxalmente, em muitos países europeus, todas as sondagens o demonstram, o número de católicos que rejeita essa “deriva da modernidade” tem aumentado de ano para ano, tendência que os líderes políticos católicos parecem ter dificuldade em compreender e acompanhar. Esta dificuldade, e as hesitações e falta de coragem que a põe a nu, são evidentemente aproveitadas pelos novos partidos políticos radicais que adotam sem rebuço retóricas nacionalistas e xenófobas, cativando eleitorados descontentes e revoltados com aquela deriva.
É neste complexo contexto que se movimentam os líderes políticos católicos europeus. A resposta aos desafios que encerra só se encontrará na determinação em defender os valores que caracterizam a nossa civilização e nos quais se revêm a enorme maioria dos europeus, independentemente das suas proveniências ou do percurso das suas vidas. Ou seja, no fundo, os valores do humanismo personalista que Emmanuel Mounier e Jacques Maritain, sustentavam.
Não será fácil ultrapassar esta crise, porventura a mais grave crise de valores da História da Europa, mas não há outro caminho. E este tem que ser percorrido pelos líderes políticos católicos europeus. Os desafios são cada vez maiores e mais crescentes, Os católicos devem assumir uma responsabilidade muito particular em dirigir e orientar a comunidade dos cidadãos, de forma a preservar a cultura e as bases dos princípios cristãos, tendo em vista uma sociedade mais harmoniosa e uma sã convivência. Esta é a responsabilidades dos católicos de hoje.
O Movimento Sinodal que a Igreja recentemente lançou e que pretende abrir as portas da Igreja a todos os batizados, é seguramente um passo importante para se travar o efeito negativo dos escândalos da Igreja cujo impacto está bem presente na actual sociedade
E, sem querer ter a nostalgia de regressar ao passado, os lideres católicos têm neste momento verdadeiros desafios. O desafio de repor os valores da matriz cristã, o desafio de cativar os jovens e trazê-los para o combate das ideias, para a política, o desafio de combater a radicalização de correntes politicas e religiosas, etc, etc…
É neste contexto que o trabalho desenvolvido pela Academia de Lideres Católicos, com vista à formação, instrução e capacitação dos jovens que serão futuros líderes, nos vários sectores da sociedade, se pode considerar uma semente de esperança no mundo em que vivemos e que esperamos contribuir para torna-lo melhor e mais justo. As dificuldades que agora encontramos podem tornar-se verdadeiros desafios para os católicos no futuro, intervindo de forma activa no tecido social e político.
Acompanhar o progresso, mas com um rumo bem determinado, ao mesmo tempo que se conservam os valores cristãos: a família como núcleo base da sociedade e a educação segundo os valores e princípios cristãos.
Por Francisco Ribeirinho Pereira. Vice-Presidente do Instituto Amaro da Costa e Membro do Conselho Europeu da Academia de Líderes Católicos